O câncer de bexiga é uma das neoplasias urológicas mais comuns, com potencial de causar sintomas e complicações importantes tanto para homens quanto para mulheres que tenham este diagnóstico, representando um desafio também para a comunidade médica. Com o avanço da tecnologia, a cirurgia robótica emergiu como uma opção terapêutica promissora, oferecendo benefícios significativos em termos de precisão, recuperação e resultados oncológicos. 

Este artigo tem como objetivo fornecer uma visão abrangente e técnica sobre o câncer de bexiga, desde a anatomia e diagnóstico até as opções de tratamento, com um foco especial na cirurgia robótica.

Boa leitura!

DESCUBRA NA LEITURA DESSE TEXTO

  • O início de tudo: a anatomia da bexiga
  • Epidemiologia e Fatores de Risco para o Câncer de Bexiga
  • Diagnóstico e Estadiamento do Câncer de Bexiga
  • Tratamentos disponíveis para o Câncer de Bexiga e o destaque da Cirurgia Robótica nesse cenário
  • Principais estudos que embasam a Cirurgia Robótica no tratamento do Câncer de Bexiga

O início de tudo: a anatomia da bexiga

Bexiga urinária – Anatomia papel e caneta
Figura 2- Netter, 2019.

A bexiga é um órgão muscular oco localizado na pelve, responsável pelo armazenamento e eliminação da urina. Anatomicamente, divide-se em várias partes: 

  1. Ápice: Parte superior da bexiga.
  2. Corpo: Parte principal, a urina armazena-se aqui.
  3. Fundo: Parte posterior, que se conecta aos ureteres.
  4. Colo: Parte inferior, que se conecta à uretra.

A parede da bexiga compõe-se por várias camadas:

  • Mucosa: Camada interna, revestida por epitélio transicional.
  • Submucosa: Camada de tecido conjuntivo.
  • Muscular: Camada de músculo liso, responsável pela contração da bexiga.
  • Serosa: Camada externa, presente apenas na parte superior da bexiga.

Epidemiologia e Fatores de Risco para o câncer de bexiga

O câncer de bexiga é mais comum em homens do que em mulheres, com uma incidência que aumenta com a idade. Os principais fatores de risco incluem:

  • Tabagismo: Responsável por cerca de 50% dos casos.
  • Exposição ocupacional: Produtos químicos como aminas aromáticas.
  • Infecções crônicas: Infecções urinárias recorrentes ou parasitárias.
  • Radioterapia pélvica prévia: Aumenta o risco de câncer de bexiga.

Diagnóstico e Estadiamento do Câncer de Bexiga

Tudo sobre o Câncer de Bexiga | Oncoclínicas
Figura 3- Freepik, 2025.

O diagnóstico do câncer de bexiga envolve uma combinação de avaliação clínica, exames de imagem e procedimentos invasivos. Os tumores de bexiga podem ser pequenos e localizados ou grandes e profundos. 

O estágio (ou estadiamento) depende da avaliação por exames de imagem como ecografia e ressonância magnética e, principalmente, da biópsia, normalmente realizada por via transuretral (pelo canal da uretra). Neste procedimento, retira-se toda a lesão, ou realize-se biópsia de parte dela, caso não seja possível a excisão completa.

Sintomas Clínicos

Os sintomas mais comuns incluem:

  • Hematúria: Sangue na urina, presente em 80-90% dos casos.
  • Disúria: Dor ou desconforto ao urinar.
  • Sintomas irritativos: Urgência e frequência urinária.

Exames de Imagem

  1. Ultrassonografia: Pode detectar massas na bexiga, mas tem limitações na avaliação de tumores pequenos ou planos.
  2. Tomografia Computadorizada (TC): Útil para avaliar a extensão do tumor e metástases.
  3. Ressonância Magnética (RM): Melhor avaliação da invasão muscular e extensão local.
Cistoscopia com Biópsia e Ressecção transuretral de tumor vesical (RTU)

A cistoscopia é o padrão-ouro para o diagnóstico, permitindo a visualização direta da bexiga e a realização de biópsias. A biópsia é essencial para confirmar o diagnóstico histológico e determinar o grau e estágio do tumor. Em muitas ocasiões pode-se já realizar a retirada completa da lesão via endoscópica (câmera pela uretra) com o procedimento de RTU.

Classifica-se o câncer de bexiga de acordo com o sistema TNM (Tumor, Node, Metastasis):

  • T (Tumor): Avalia a profundidade da invasão na parede da bexiga.
  • N (Linfonodos): Avalia a presença de metástases nos linfonodos regionais.
  • M (Metástases): Avalia a presença de metástases à distância.

Determina-se o grau histológico pela diferenciação celular:

  • Baixo grau: Tumores bem diferenciados.
  • Alto grau: Tumores pouco diferenciados, com maior agressividade.

O câncer de bexiga pode ser classificado em três tipos conforme as células do órgão que sofreram alterações: 

  • Carcinoma de células de transição: mais comum e inicia no tecido interno da bexiga;
  • Carcinoma de células escamosas: atinge as células delgadas e planas que podem surgir na bexiga após prolongada infecção ou irritação;
  • Adenocarcinoma: inicia nas células glandulares (de secreção) que podem se formar na bexiga após irritação ou inflamação prolongadas.

Tratamentos disponíveis para o Câncer de Bexiga e o destaque da Cirurgia Robótica nesse cenário

Figura 4- Freepik, 2025.

 O tratamento do câncer de bexiga depende do estágio e grau do tumor, gravidade dos sintomas apresentados e saúde geral do paciente. As opções incluem cirurgia, quimioterapia, radioterapia e imunoterapia. 

Portanto, é necessário ser feito um diagnóstico extenso da doença e uma análise comportamental do paciente para que então sejam avaliadas as técnicas.

Tratamento de Tumores Não Músculo-Invasivos

Para tumores confinados à mucosa (Ta,T1) ou carcinoma in situ (CIS), o tratamento inclui:

  1. Ressecção Transuretral de Bexiga (RTU-B): Remoção do tumor por via endoscópica. Se o tumor é identificado apenas na bexiga, sem afetar o músculo detrusor, é possível eliminá-lo por meio de um procedimento minimamente invasivo. Cirurgia que consiste na raspagem do tumor pela uretra, sem necessidade de cortes, com auxílio de uma minicâmera. Utilizada em estágios iniciais do câncer de bexiga, principalmente o Estágio O e o Estágio I.
  2. Instilação Intravesical: Em casos iniciais, pode ser indicado aplicação de medicamentos na bexiga visando reduzir a chance de recorrência. A imunoterapia com a vacina BCG, e quimioterápicos como gencitabinadocetaxel ou outros, podem ser aplicados na bexiga com a colocação temporária de uma pequena sonda pela uretra.
Tratamento de Tumores Músculo-Invasivos

Para tumores que invadem a camada muscular (T2 ou superior), o tratamento padrão é a cistectomia radical, que envolve a remoção completa da bexiga, próstata e vesículas seminais nos homens, e útero, ovários e parte da vagina nas mulheres. Realiza-se a cistectomia por via aberta, laparoscópica ou robótica.

Caso seja possível, avalia-se a possibilidade de cistectomia parcial, ou seja, remoção de uma porção da bexiga apenas. A cistectomia, seja ela parcial ou radical é considerada quando existem muitos tumores na bexiga não possíveis de serem completamente retirados pela via uretral ou quando o tumor já alcançou a profundidade da musculatura (T2).

Já a radioterapia costuma ser indicada em casos de tumores mais agressivos ou em estágios avançados. O tratamento pode ser associado a quimioterapia e imunoterapia intravenosa visando buscar preservar a bexiga em casos específicos.

Em casos avançados pode ser indicado uso de medicamentos intravenosos, antes ou após cirurgia de cistectomia radical. Em 2017, a ANVISA aprovou um novo medicamento para tratamento de câncer de bexiga (imunoterapia) que mostrou ser 30% mais eficaz que a quimioterapia em casos de pacientes em estágio avançado da doença.

O papel da cirurgia robótica no câncer de bexiga

A cirurgia robótica, também conhecida como cirurgia assistida por robô, tem ganhado popularidade no tratamento do câncer de bexiga, especialmente para a cistectomia radical. O sistema robótico mais utilizado é o da Vinci, que oferece várias vantagens em relação às técnicas convencionais.

Vantagens da Cirurgia Robótica

  1. Precisão Cirúrgica: O sistema robótico oferece visão 3D de alta definição e instrumentos articulados que permitem movimentos precisos e delicados.
  2. Menor Invasividade: A cirurgia robótica, realizada através de pequenas incisões, resulta em menor trauma cirúrgico.
  3. Recuperação Mais Rápida: Pacientes submetidos à cirurgia robótica geralmente apresentam menor dor pós-operatória, menor perda sanguínea e recuperação mais rápida.
  4. Melhores Resultados Funcionais: A preservação das estruturas nervosas é mais precisa, resultando em melhores resultados funcionais, como a preservação da função sexual e continência urinária.
Técnica Cirúrgica

A cistectomia radical robótica segue os mesmos princípios da cirurgia aberta, mas com a vantagem da tecnologia robótica. Os principais passos incluem:

  1. Posicionamento do Paciente: O paciente é posicionado em decúbito dorsal, com inclinação de Trendelenburg.
  2. Acesso Robótico: São realizadas pequenas incisões para a introdução dos trocartes e do braço robótico.
  3. Dissecção e Remoção da Bexiga: A bexiga é dissecada, com cuidado para preservar as estruturas nervosas e vasculares. Os ureteres são seccionados e a bexiga é removida.
  4. Derivação Urinária: A derivação urinária pode ser realizada por via aberta ou robótica, dependendo da preferência do cirurgião e das condições do paciente. As opções incluem neobexiga ortotópica, conduto ileal ou ureterostomia cutânea.

Resultados Oncológicos

Estudos comparativos entre cistectomia robótica e aberta têm demonstrado resultados oncológicos semelhantes, com margens cirúrgicas negativas e sobrevida livre de doença comparáveis. No entanto, a cirurgia robótica está associada a menor morbidade perioperatória e melhores resultados funcionais.

Complicações e Desafios

Apesar das vantagens, a cirurgia robótica apresenta desafios, incluindo:

  • Curva de Aprendizado: A cirurgia robótica requer treinamento especializado e uma curva de aprendizado significativa.
  • Custo: O custo inicial do sistema robótico e dos instrumentos descartáveis pode ser elevado.
  • Tempo Cirúrgico: Em alguns casos, o tempo cirúrgico pode ser mais longo em comparação com a cirurgia aberta.

Principais estudos que embasam a Cirurgia Robótica no tratamento do Câncer de Bexiga

Figura 5- Freepik, 2025.

Elencaremos aqui os principais estudos que embasam a Cirurgia Robótica no tratamento da neoplasia vesical. Nesse ínterim, a cistectomia radical assistida por robô (RARC) compara-se à cistectomia radical aberta (ORC) e à cistectomia radical laparoscópica (LRC) em vários estudos, destacando vários benefícios e resultados. 

Aqui estão cinco estudos principais que fornecem insights sobre os benefícios da cirurgia robótica para câncer de bexiga:

1. Estudo de Khetrapal et al. (2023): conduziram uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados comparando RARC e ORC. O estudo descobriu que RARC associa-se a um menor tempo de internação hospitalar, menos perda de sangue e menos eventos tromboembólicos em comparação com ORC.[1]

2. Estudo de Rai et al. (2020): realizaram uma revisão abrangente de ensaios clínicos randomizados comparando RARC e ORC. O estudo concluiu que RARC provavelmente resulta em menos transfusões de sangue e uma internação hospitalar ligeiramente mais curta, embora os resultados oncológicos gerais, incluindo sobrevida livre de recorrência e complicações graves, tenham sido semelhantes entre as duas abordagens.[2]

3. Estudo de Parekh et al. (2018): no estudo RAZOR, um estudo de não inferioridade de fase 3, demonstrou que o RARC não era inferior ao ORC em termos de sobrevida livre de progressão de 2 anos. O estudo também relatou taxas semelhantes de eventos adversos entre os dois grupos, apoiando a segurança oncológica do RARC.[3]

Além disso:

4. Estudo de Catto et al. (2022): conduziram um estudo clínico randomizado comparando o RARC com o desvio urinário intracorpóreo ao ORC. O estudo descobriu que o RARC resultou em um aumento estatisticamente significativo em dias vivos e fora do hospital dentro de 90 dias após a cirurgia. Além disso, o RARC associa-se a menos complicações tromboembólicas e de feridas, embora não tenha havido diferenças significativas na recorrência do câncer ou na mortalidade geral.[4]

5. Estudo de Dong et al. (2020): realizaram uma análise de rede bayesiana comparando o RARC, o LRC e o ORC. A análise sugeriu que o RARC tinha vantagens sobre o LRC e o ORC em termos de perda sanguínea estimada, tempo de internação hospitalar e taxas de transfusão sanguínea.[5]

Esses estudos sugerem coletivamente que o RARC oferece benefícios perioperatórios, como perda sanguínea reduzida, internações hospitalares mais curtas e menos complicações, ao mesmo tempo em que mantém resultados oncológicos comparáveis ​​ao ORC e ​​ao LRC. 

Conclusão

O câncer de bexiga é uma doença complexa que requer uma abordagem multidisciplinar para o diagnóstico e tratamento. A cirurgia robótica emergiu como uma opção terapêutica valiosa, oferecendo benefícios significativos em termos de precisão, recuperação e resultados funcionais. No entanto, é essencial que os cirurgiões estejam adequadamente treinados e familiarizados com as nuances da técnica para maximizar os benefícios e minimizar as complicações.

À medida que a tecnologia continua a avançar, é provável que a cirurgia robótica se torne ainda mais prevalente no tratamento do câncer de bexiga, proporcionando melhores resultados para os pacientes.

Referências

  1. Khetrapal P, Wong JKL, Tan WP, et al. (2023).Robot-Assisted Radical Cystectomy Versus Open Radical Cystectomy: A Systematic Review and Meta-Analysis of Perioperative, Oncological, and Quality of Life Outcomes Using Randomized Controlled Trials.” European Urology. 2023;84(4):393-405. doi:10.1016/j.eururo.2023.04.004.
  1. Rai BP, Bondad J, Vasdev N, et al. (2020).Robot-Assisted vs Open Radical Cystectomy for Bladder Cancer in Adults. BJU International. 2020;125(6):765-779. doi:10.1111/bju.14870.
  1. Parekh DJ, Reis IM, Castle EP, et al. (2018).Robot-Assisted Radical Cystectomy Versus Open Radical Cystectomy in Patients With Bladder Cancer (RAZOR): An Open-Label, Randomised, Phase 3, Non-Inferiority Trial.” Lancet (London, England). 2018;391(10139):2525-2536. doi:10.1016/S0140-6736(18)30996-6.
  1. Catto JWF, Khetrapal P, Ricciardi F, et al. (2022).Effect of Robot-Assisted Radical Cystectomy With Intracorporeal Urinary Diversion vs Open Radical Cystectomy on 90-Day Morbidity and Mortality Among Patients With Bladder Cancer: A Randomized Clinical Trial.” Jama. 2022;327(21):2092-2103. doi:10.1001/jama.2022.7393.
  1. Dong L, Qin Y, Ya L, et al. (2020).Bayesian Network Analysis of Open, Laparoscopic, and Robot-Assisted Radical Cystectomy for Bladder Cancer.” Medicine. 2020;99(52):e23645. doi:10.1097/MD.0000000000023645.