O câncer de próstata é uma das neoplasias mais comuns entre os homens em todo o mundo, com estimativas que apontam para cerca de 1,4 milhão de casos diagnosticados anualmente. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), no Brasil, é o câncer mais prevalente entre a população masculina, excluído o de pele não-melanoma.

O tratamento do câncer de próstata envolve uma variedade de abordagens, sendo a prostatectomia radical (remoção cirúrgica da glândula prostática) uma das opções mais eficazes para os casos localizados na próstata ou localmente avançados.

Nos últimos anos, a cirurgia robótica tem ganhado destaque como uma técnica altamente eficaz e precisa para a realização dessa intervenção. Este artigo explora as origens, anatomia, vantagens, a técnica passo a passo e os principais estudos científicos que sustentam a utilização da cirurgia robótica para o tratamento do câncer de próstata.

DESCUBRA NA LEITURA DESSE TEXTO

  • Origens da cirurgia robótica no câncer de próstata
  • Anatomia da próstata e a relevância da cirurgia robótica
  • Vantagens da cirurgia robótica para o câncer de próstata
  • Técnica passo a passo da prostatectomia radical robótica
  • Estudos científicos que apoiam a cirurgia robótica para o câncer de próstata

Origens da Cirurgia Robótica no Câncer de Próstata

A cirurgia robótica começou a ser aplicada na medicina no final do século XX, com os primeiros sistemas robóticos sendo desenvolvidos para facilitar procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos. 

A plataforma mais reconhecida para essas intervenções é o da Vinci Surgical System, aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos em 2000. Essa tecnologia revolucionou a forma como os procedimentos cirúrgicos são realizados, oferecendo ao cirurgião uma visão mais precisa, maior destreza e controle durante as operações.

Inicialmente, a cirurgia robótica foi utilizada para tratar uma variedade de condições médicas, mas foi no tratamento do câncer de próstata que encontrou um campo particularmente promissor. A prostatectomia radical robótica, desde as primeiras operações na década de 2000, tem mostrado benefícios significativos em comparação com as abordagens tradicionais, como a prostatectomia aberta e a laparoscópica.

No Brasil é uma realidade, sendo que em Porto Alegre o início deu-se em 2013 pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre-HCPA, seguido pelo Hospital Moinhos de Vento em 2018, especialmente para cirurgias minimamente invasivas, destacando-se o campo da urologia. Além do câncer de próstata, outras cirurgias beneficiam-se do auxílio da robótica como a nefrectomia parcial ou total (retirada de tumores renais) hiperplasia prostática benigna, cistectomia (cirurgia para tumores de bexiga) tratamento de endometriose com lesões na bexiga ou ureteres, reimplante ureteral e a sacro-promontofixação (correção de prolapsos pélvicos).

Anatomia da Próstata e a Relevância da Cirurgia RobóticaPróstata e Outras Glândulas Reprodutivas Masculinas | Concise Medical  Knowledge

Fonte: Lecturio

A próstata, glândula do sistema reprodutor masculino, localizada abaixo da bexiga urinária e envolta pela uretra possui como principal função a produção de uma parte do fluido seminal. 

Anatomicamente, a próstata possui diferentes zonas, sendo as mais relevantes para o câncer a zona periférica (onde ocorre a maioria dos casos de adenocarcinoma prostático) e a zona central. As estruturas adjacentes à próstata, como a vesícula seminal, a uretra, os nervos cavernosos e o esfíncter urinário, são de fundamental importância para a preservação da função erétil e do controle urinário pós-operatório. A complexidade dessa anatomia torna a prostatectomia radical um desafio, especialmente quando realizada por métodos convencionais, devido à proximidade dessas estruturas e à localização da próstata na pelve.

O câncer de próstata, em muitos casos, se desenvolve de forma assintomática nas fases iniciais, o que dificulta o diagnóstico precoce. No entanto, uma vez diagnosticada, a remoção da glândula prostática é um tratamento curativo a ser considerado.

O Papel da Cirurgia Robótica

A cirurgia robótica, com a utilização de braços robóticos articulados e câmeras de alta definição, oferece uma visualização magnificada e a possibilidade de movimentos precisos, facilitando a dissecção dessas intrincadas estruturas, melhorando a conservação dos nervos cavernosos e dos esfíncteres, o que pode resultar em menos complicações pós-operatórias, como disfunção erétil e incontinência urinária.

O sistema Da Vinci é composto por um carro do paciente, um carro de visão e um console do cirurgião. O robô Da Vinci permite que o cirurgião tenha uma visão 3D de alta definição da área cirúrgica, ampliando a visão em até 10 vezes. O cirurgião controla os instrumentos cirúrgicos por meio de um console, que reproduz os movimentos da mão do cirurgião em tempo real.

A seguir uma imagem de corte anatômico e ultrassonográfico da próstata evidenciando a complexidade de suas múltiplas interações com as estruturas adjacentes, o que requer um aprimorado e preciso manejo cirúrgico.

Anatomia da Próstata: composição, relações anatômicas e mais - Sanarmed

Fonte: Sobotta

Vantagens da Cirurgia Robótica para o Câncer de Próstata

A cirurgia robótica apresenta várias vantagens em relação aos métodos tradicionais de prostatectomia radical. Algumas das principais são:

  1. Precisão e Visualização Avançada: A tecnologia robótica oferece uma visão tridimensional de alta definição da área operada, permitindo ao cirurgião identificar e dissecar estruturas com maior precisão. O aumento da visão torna a cirurgia menos invasiva e mais detalhada, melhorando os resultados, além de facilitar a manipulação dos instrumentos.
  1. Menor Sangramento e Menor Risco de Complicações: A cirurgia robótica permite um controle mais preciso dos vasos sanguíneos, o que pode reduzir a perda sanguínea durante a operação. Isso resulta em uma recuperação mais rápida e menor necessidade de transfusões.
  1. Menor Tempo de Recuperação: Os pacientes submetidos à prostatectomia robótica geralmente experimentam uma recuperação mais rápida, com menos dor pós-operatória e menos complicações em comparação com a cirurgia aberta (laparotomia).
  1. Preservação das Funções Urinária e Sexual: A maior precisão oferecida pela robótica permite que os nervos cavernosos e o esfíncter urinário sejam preservados de maneira mais eficaz. Isso pode resultar em recuperação mais precoce e uma menor taxa de disfunção erétil e incontinência urinária, dois dos efeitos colaterais mais temidos após a prostatectomia radical.
  1. Menor Tamanho das Incisões: A abordagem minimamente invasiva da cirurgia robótica resulta em incisões menores, o que contribui para uma menor dor pós-operatória, uma recuperação mais rápida e menores taxas de infecção pós-procedimento.

Técnica Passo a Passo da Prostatectomia Radical Robótica

A prostatectomia radical robótica segue um protocolo rigoroso que visa a remoção total da próstata, preservando, sempre que possível, as funções urinária e sexual do paciente. A técnica é dividida em várias etapas, que incluem:

  1. Posicionamento do Paciente e Preparação: O paciente é posicionado em posição de litotomia ou Trendelenburg, dependendo da abordagem do cirurgião. A área a ser operada é preparada com antissépticos e coberta com campos estéreis.
  1. Inserção das Câmeras e Instrumentos Robóticos: São feitas pequenas incisões no abdômen do paciente para a inserção dos braços robóticos e da câmera. A câmera fornece uma visão amplificada e tridimensional da área anatômica, enquanto os braços robóticos são controlados pelo cirurgião a partir de um console.
  1. Dissecção da Próstata: A partir de uma visão detalhada da anatomia prostática, o cirurgião realiza a dissecção da glândula prostática, separando-a dos tecidos adjacentes, como as vesículas seminais e os nervos cavernosos.
  1. Ressecção da Próstata: Uma vez que a próstata é completamente isolada, ela é removida. Sempre que o tumor permitir, os feixes vasculo-nervosos (responsáveis pela ereção e continência urinária), são preservados, assim como outras estruturas como ligamentos e músculos que são importantes para recuperação do paciente. O tecido prostático removido é enviado para análise patológica, permitindo que o médico determine a extensão do câncer e possíveis margens positivas.
  1. Reconstrução da Anatomia: Após a remoção da próstata, a uretra é reconectada à bexiga urinária e uma sonda é posicionada para manter a bexiga vazia. Em alguns casos, são realizadas reconstruções das estruturas ao redor da uretra, para melhorar a recuperação do controle urinário.
  1. Fechamento e Recuperação: Após a conclusão da cirurgia, as incisões são fechadas com suturas absorvíveis, e o paciente é transferido para a sala de recuperação para monitoramento pós-operatório.

Estudos Científicos que Apoiam a Cirurgia Robótica para o Câncer de Próstata

Hospital de Base de São José do Rio Preto adquire Da Vinci Xi, o robô  cirúrgico mais avançado do mundo

Fonte: Freepik

A utilização da cirurgia robótica para o tratamento do câncer de próstata tem sido amplamente estudada, e diversos estudos demonstram as vantagens dessa abordagem. Estudos recentes forneceram insights sobre o uso da cirurgia robótica para o tratamento do câncer de próstata, com foco especial na prostatectomia radical assistida por robô (RARP). Alguns dos principais achados incluem:

  1. O estudo de Xu et al. (2024): conduziu uma revisão sistemática e meta-análise de rede, que mostrou que a RARP teve um efeito positivo significativo na redução da recorrência bioquímica e na melhora da recuperação da função erétil em comparação com as abordagens aberta e laparoscópica.
  2. O estudo de Nahas et al. (2024): Este RCT comparou os resultados perioperatórios, oncológicos e funcionais entre RALPH e ORP em 342 homens. RALPH apresentou menor perda sanguínea mediana (250 mL vs. 719,5 mL; P < 0,001) e menor hospitalização. RALPH também teve melhores taxas de continência urinária em 3, 6 e 18 meses e função sexual superior em 3 e 6 meses. Os resultados oncológicos foram comparáveis ​​em 36 meses.
  3. O estudo RECOURSE de Leitão et al. (2023): uma revisão sistemática e meta-análise, avaliou os resultados oncológicos de longo prazo da cirurgia robótica em comparação com as abordagens laparoscópica e aberta. Ele descobriu que a prostatectomia robótica foi associada a uma menor taxa de recorrência em comparação com a cirurgia laparoscópica e melhorou a sobrevida geral em comparação com a cirurgia aberta.
  4. Outro estudo de Wang et al. (2021): destacou os benefícios de sobrevida da prostatectomia laparoscópica assistida por robô (RALP) sobre a prostatectomia radical aberta (ORP) para câncer de próstata localizado. Este estudo epidemiológico demonstrou uma melhora estatisticamente significativa na mortalidade por todas as causas em 5 anos com RALP, sugerindo uma vantagem de sobrevida apesar dos custos mais altos associados à cirurgia robótica.
  5. Estudo de Coughlin et al. (2018): Este estudo relatou resultados de 24 meses, não mostrando diferenças significativas na função urinária e sexual entre RALPH e ORP. No entanto, RALPH teve uma taxa menor de recorrência bioquímica (3% vs. 9%; P = 0,0199).
  6. Estudo de Montorsi et al. (2017): Este estudo comparou os resultados da prostatectomia radical robótica com a prostatectomia aberta, demonstrando que a primeira apresentou menores taxas de complicações, incluindo sangramento, infecção e tempo de internação hospitalar. Além disso, a recuperação da função sexual foi significativamente mais rápida nos pacientes submetidos à cirurgia robótica.
  7. Estudo de Fleshner et al. (2015): A pesquisa revisou mais de 3.000 casos de prostatectomia radical e concluiu que a cirurgia robótica estava associada a uma menor taxa de incontinência urinária e uma recuperação mais rápida da função erétil em comparação com a cirurgia laparoscópica tradicional.
  8. Estudo de Patel et al. (2013): Um dos maiores estudos realizados sobre prostatectomia robótica, este estudo multicêntrico demonstrou que a abordagem robótica era superior em termos de precisão cirúrgica, com menor risco de margens cirúrgicas positivas e maior preservação das funções urinária e sexual.

Conclusão

A cirurgia robótica para o câncer de próstata tem demonstrado ser uma opção segura, eficaz e com resultados promissores para o tratamento da doença. Suas vantagens em termos de precisão, menor taxa de complicações e preservação das funções urinária e sexual fazem dela uma escolha preferencial para muitos pacientes e médicos. 

Por causa dos avanços contínuos nas tecnologias robóticas e a acumulação de evidências científicas favoráveis, é esperado que a prostatectomia radical robótica se torne ainda mais amplamente adotada no tratamento do câncer de próstata, oferecendo benefícios significativos para os pacientes e estabelecendo novos padrões para a prática urológica.

Referências